Diretiva da União Europeia

A mais abrangente iniciativa legislativa existente até o momento para a proteção dos direitos dos(as) trabalhadores de plataformas digitais regulamenta a presunção do vínculo empregatício e a gestão algorítmica do trabalho

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Em março de 2024, a União Europeia aprovou a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais. Ela é a mais abrangente regulamentação sobre o trabalho em plataformas existente até o momento.

A Diretiva da União Europeia é obrigatória para os 27 Estados-membros da região e determina o estabelecimento da presunção do vínculo de emprego em cada país, em conformidade com o modo como as legislações nacionais avaliam o controle e a direção do trabalho realizado pelas plataformas.

Além da presunção do vínculo de emprego, algo de suma importância, outro mérito é a detalhada regulamentação que a diretiva faz da gestão algorítmica do trabalho, resguardando não apenas os(as) trabalhadores(as) empregados(as) das plataformas, mas todas as pessoas que trabalham nelas, mesmo aquelas consideradas como genuinamente autônomas. Para isso, a diretiva determina a transparência substantiva da gestão algorítmica, coloca limites a sua atuação e a fiscaliza.

A Diretiva da União Europeia determina, por exemplo, que:

  • “Todos” os tipos de decisão automatizada ou apoiada por processos automatizados nas plataformas digitais, incluindo aqueles que não afetam significativamente os(as) trabalhadores(as), devem ser informados a eles(as), a seus representantes e, quando solicitado, às autoridades nacionais. As categorias de dados e os parâmetros utilizados pelos sistemas devem constar nas informações fornecidas pelas plataformas (Art. 9º);
  • As plataformas devem fornecer as informações sobre o monitoramento automatizado dos(as) trabalhadores(as), incluindo o objetivo pelo qual tal monitoramento é efetuado e os destinatários dos dados gerados por ele (Art. 9º); e
  • Os(as) representantes dos(as) trabalhadores(as) das plataformas deverão, ademais, ser informados(as) e consultados(as) sobre a introdução de sistemas automatizados de monitoramento e tomadas de decisão ou de alterações substantivas neles realizadas. Dada a complexidade da análise de tais sistemas implementados pelas empresas, os(as) trabalhadores(as) terão o direito de escolher um(uma) especialista para analisar a questão. No caso de empresas com mais de 250 trabalhadores(as), esse(essa) especialista será custeado pelas próprias plataformas (Art. 13º).

A Diretiva impõe ainda uma série de restrições às capturas e ao processamento de dados dos(as) trabalhadores(as) e à atuação dos sistemas automatizados das plataformas. Por exemplo:

  • As empresas não poderão lidar com dados sobre o estado emocional ou psicológico dos(as) trabalhadores(as), não poderão acessar as conversas privadas deles(as), não poderão capturar dados dos momentos em que o(a) trabalhador(a) não estiver exercendo sua atividade, não poderão tratar de dados pessoais que remetam ao exercício de direitos fundamentais dos(as) trabalhadores(as), como o de associação, ou de dados relacionados à identificação étnica ou racial, opiniões políticas, filiação sindical, status migratório, estado de saúde, orientação sexual etc. (Art. 7º); e
  • Os sistemas automatizados de monitoramento e de tomada de decisões não poderão exercer pressão “indevida” sobre os(as) trabalhadores(as) das plataformas ou serem organizados de maneira que representem um risco à segurança e à saúde física e mental dos(as) trabalhadores(as) (Art. 12º).

A transparência e a limitação dos dados que são manipulados pelas plataformas só podem ser garantidas, no entanto, com a fiscalização dos sistemas concebidos pelas empresas. Aqui, reside um ponto fundamental, que a Diretiva aborda ao determinar que:

  • Os representantes dos(as) trabalhadores(as) terão de avaliar regularmente o impacto das decisões automatizadas sobre questões como condições de trabalho, igualdade de tratamento, potencial discriminação, saúde, segurança no trabalho etc. (art. 10º);
  • As plataformas deverão providenciar os funcionários necessários para tal avaliação, ou seja, aqueles que tenham “competência, formação e autoridade” para desempenhá-la e para anular decisões automatizadas. Esses(as) funcionários(as) deverão ser protegidos(as) contra demissão ou medida equivalente, contra medidas disciplinares ou qualquer outro tratamento desfavorável ao exercício de suas funções (art. 10º);
  • A diretiva determina que as companhias deverão declarar às autoridades dos Estados-membros o número de pessoas que trabalha para as empresas, as atividades desempenhadas por elas, a situação contratual, os termos e as condições que regem as plataformas, além de dados como a duração média das atividades, o número semanal de horas trabalhadas por pessoa, os ganhos médios, as relações contratuais com intermediários e outras informações adicionais que lhes forem solicitadas (Art. 17º); e
  • Os tribunais e as autoridades nacionais competentes deverão ter acesso, caso necessário, a “todos” os elementos de prova sob controle das plataformas, dispondo ainda que os tribunais possuem competência para solicitar a divulgação de material probatório que contenha informações confidenciais, com a ressalva, por certo, de que os Estados-membros garantirão medidas eficazes para proteger tais informações (Art. 21).

Essas e uma série de outras disposições tornam a Diretiva da União Europeia a legislação mais abrangente sobre o trabalho por plataformas existente até o momento.