A gestão algorítmica do trabalho

A classificação correta dos trabalhadores por plataforma é fundamental para que eles tenham seus direitos respeitados e para que não assumam riscos e responsabilidades que são das empresas e não deles.

Empresas e empregados

Em uma atividade econômica é de fundamental importância compreender os papéis distintos que desempenham empresas e empregados.
Em termos gerais, as empresas são responsáveis pela concepção, organização, direção e controle de uma atividade econômica. Elas têm autonomia para decidir sobre investimentos, assumem riscos financeiros e ficam com os lucros de um empreendimento.

Por outro lado, os empregados têm de seguir instruções, regras e ordens das empresas para que tal atividade seja viabilizada. Estão submetidos à gestão da empresa, têm seu trabalho monitorado e avaliado e recebem salários pelas suas atividades.
A distinção entre as atividades empresariais e as dos trabalhadores nem sempre é simples de ser feita e depende da análise concreta das relações estabelecidas entre as partes.

Ela é importante, no entanto, porque a confusão entre esses dois papéis diferentes pode prejudicar os empregados.
Sob a ideia de uma falsa autonomia, os empregados não somente não têm seus direitos respeitados, mas podem assumir os riscos e os custos de uma atividade empresarial, sem ter uma independência real e sem receber os lucros do empreendimento.

MÓDULO 02

Gestão Algorítmica e a falsa autonomia

O modo como muitas plataformas digitais organizam seus negócios e utilizam instrumentos tecnológicos em sua atividade econômica pode complicar a classificação correta de seus trabalhadores como empregados.

Peça central dessa complexificação é a chamada gestão algorítmica do trabalho.

Através de sofisticados dispositivos eletrônicos e recursos computacionais, as plataformas digitais têm a capacidade de, em tempo real, capturar uma quantidade imensa de dados, processá-los, criar perfis digitais dos trabalhadores, e tomar decisões de forma automatizada no interesse das empresas.

Desse modo, mesmo à distância e sem a presença de um humano, muitas plataformas digitais têm a capacidade de dirigir, controlar e avaliar as diversas atividades dos trabalhadores, inclusive implementando punições quando as regras que as empresas estipularam não forem cumpridas.
Ao estarem submetidos à gestão algorítmica das empresas, mas não serem reconhecidos como empregados, os trabalhadores por plataforma podem ser prejudicados. Isso porque dessa forma eles:

  • Não têm seus direitos respeitados enquanto trabalhadores;
  • Não exercem uma atividade empresarial genuína;
  • Nos piores casos, assumem custos e riscos financeiros das empresas que criaram as plataformas, sem participar de seus ganhos e decidir sobre seus investimentos.

97%

dos motoristas de transporte particular de passageiros por plataformas, afirmam que o valor a ser recebido pelo trabalho desenvolvido é determinado pela plataforma.

80%

dos entregadores por plataformas afirmam que o prazo para a realização das tarefas ou atividades laborais são determinadas pela plataforma.

85%

dos entregadores por plataformas afirmam que é a plataforma quem determina os clientes a serem atendidos

Os desafios da gestão algorítmica aos trabalhadores, tribunais e autoridades públicas

Nos últimos quinze anos, diferentes plataformas digitais demonstraram ter a capacidade de implementação de uma gestão algorítmica do trabalho capaz de dirigir e controlar uma série de atividades necessárias ao funcionamento de uma empresa, como, por exemplo:

  • Contratar trabalhadores;
  • Realizar treinamentos;
  • Dar instruções;
  • Atribuir clientes a trabalhadores;
  • Monitorar o trabalhador;
  • Calcular o preço dos serviços oferecidos;
  • Calcular a remuneração dos trabalhadores;
  • Mensurar a produtividade do trabalhador;
  • Premiar ou punir um trabalhador;
  • Demiti-lo, etc.;

Isso colocou, em particular, dois desafios que envolvem trabalhadores, tribunais e governos.
O primeiro diz respeito ao modo como muitas plataformas digitais classificaram sua força de trabalho como autônoma ou mesmo como cliente das plataformas.
Tribunais de diferentes países, no entanto, destacaram diversos aspectos da gestão algorítmica e do modelo de negócio de muitas plataformas para negarem essa classificação da força de trabalho como autônoma. Indicaram, por exemplo, que muitas plataformas integram os trabalhadores à sua organização; e/ou dirigem e controlam as atividades deles; e/ou restringem a autonomia de seus trabalhadores etc.
Ao mesmo tempo, alguns governos buscaram fortalecer o combate à falsa autonomia no trabalho por plataformas digitais, criando leis específicas direcionadas ao setor.
O segundo desafio colocado pela disseminação da gestão algorítmica diz respeito a sua falta de transparência.
Os sistemas criados por diversas plataformas mobilizam uma série de dados sobre os trabalhadores, criam perfis sobre eles e implementam decisões de forma predominantemente automatizada.

Contudo, não é claro o porquê e o modo como isso é feito. Quais dados são capturados, em que momento o são, para quais fins, onde e por quanto tempo são armazenados, quem tem acesso a eles etc. são questões que permeiam o funcionamento das plataformas. Elas podem influenciar os mais diversos aspectos do trabalho: da remuneração dos trabalhadores até um possível desligamento da plataforma.

A questão da transparência, por outro lado, também tem mobilizado tribunais e governos.
Trabalhadores e seus representantes vem buscando pela via jurídica acesso às informações sobre como a gestão algorítmica efetivamente funciona e tem questionado decisões automatizadas implementadas pelas empresas.
Por sua vez, há iniciativas legislativas que buscam regulamentar substantivamente a gestão algorítmica do trabalho, restringindo sua atuação, tornando-a transparente e fiscalizando efetivamente sua atuação.

Os tribunais e a gestão algorítmica do trabalho

A introdução da gestão algorítmica do trabalho por diversas empresas trouxe consigo uma série de desafios aos trabalhadores e às autoridades públicas em todo o mundo.

Saiba Mais

FONTES

Christina Hiessl – Case Law on the Classification of Platform WorkersUnião Europeia – Diretiva relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitaisA depender da quebra:IBGE – Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais 2022OuTribunal Supremo Espanhol – Sentença Número 805/2020

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