Jornadas Não Exaustivas

O acesso a jornadas de trabalho não exaustivas é direito de verdade, além de ser parte da proteção à saúde física e mental dos(as) trabalhadores(as) e base para outros direitos fundamentais.

Foto Rafael Vilela
Fotos Rafael Vilela

Jornada de Trabalho Não Exaustiva

Uma jornada de trabalho não exaustiva é fundamental para a qualidade de vida de todos que trabalham.

O tempo dedicado ao trabalho não deve inviabilizar o acesso ao descanso, ao convívio familiar e ao lazer. A vida para além do trabalho também é importante para o direito à organização sindical e política e para que a criação de laços comunitários e de solidariedade entre as pessoas possam se efetivar.

No decorrer dos séculos, as jornadas eram longas e exaustivas. Por isso, os(as) trabalhadores(as) se organizaram para reivindicar a regulamentação e a redução do tempo dedicado ao trabalho sem que isso representasse um prejuízo à remuneração.

Vários direitos como limite da jornada de trabalho sem redução da remuneração, descanso semanal remunerado, intervalos para repouso, férias, pagamento de horas-extras, licenças maternidade e paternidade, entre outros direitos, foram conquistas importantes dos(as) trabalhadores(as).

Atualmente, entretanto, mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico e com o aumento da produtividade do trabalho, tem se verificado a tendência crescente de jornadas extensas e exaustivas.

Estudos sistematizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm constatado o aumento de horas dedicadas ao trabalho. Os especialistas dessas instituições apontam que essa “tendência coloca ainda mais pessoas em risco de incapacidade relacionada ao trabalho e morte precoce”.

Quando as jornadas são longas, os tempos de trabalho acabam “invadindo” os momentos de não trabalho, comprometendo a saúde e a segurança dos(as) trabalhadores(as).

No trabalho em plataformas digitais, conforme apontam inúmeras pesquisas científicas, essa situação tem se demonstrado grave. No caso dos(as) trabalhadores(as) por aplicativos, as longas jornadas de trabalho estão também associadas ao extenso tempo logado e à submissão às avaliações constantes de desempenho.

Com o avanço do uso das tecnologias digitais em atividades laborais, tem-se observado cada vez mais a diluição da fronteira entre tempo de trabalho e de não trabalho. Essa situação tem colocado em pauta o debate sobre o direito à desconexão e as repercussões do uso contínuo de tecnologias digitais na saúde mental.

Extensas Jornadas no Trabalho em Plataformas

A classificação incorreta feita por muitas plataformas digitais de seus trabalhadores(as), aliada ao uso da gestão algorítmica, utilizada para organizar e controlar a remuneração, é determinante para que se verifiquem extensas jornadas no trabalho em plataformas.

Essa forma de organização e de gestão laboral favorece às demandas das plataformas, que necessitam de força de trabalho à disposição para garantirem a continuidade e a estabilidade dos serviços que oferecem. Na outra ponta dessa relação laboral, entretanto, estão os(as) trabalhadores(as), que não podem efetivamente decidir sobre a organização e os preços de seu próprio trabalho.

Por exemplo: em busca de uma melhor remuneração, motoristas e entregadores(as) por aplicativos encontram como saída efetiva o aumento do número de horas trabalhadas, o que tende a repercutir negativamente tanto na vida familiar e social como na saúde física e mental desses(as) trabalhadores(as).

Em muitas plataformas digitais, dentre os fatores que atuam sobre a remuneração dos(as) trabalhadores(as) e contribuem para jornadas de trabalho exaustivas, estão:

  • Distribuição de serviços, através de critérios que não são transparentes aos(às) trabalhadores(as);
  • Determinação de preços feita exclusivamente pelas plataformas;
  • Restrições da possibilidade de se aceitar ou não uma tarefa;
  • Remuneração apenas pelo tempo em que se está executando um serviço e não pelo tempo total em que se está à disposição das plataformas; e
  • Uso de ranqueamentos, promoções e bônus para manter os(as) trabalhadores(as) conectados(as) às plataformas.
Foto Rafael Vilela

“Do ponto de vista dos motoristas [...], a impossibilidade de oferecer um serviço próprio ou de estabelecer seus próprios preços e o controle da [plataforma] sobre todos os aspectos de sua interação com os passageiros significam que eles têm pouca ou nenhuma capacidade de melhorar sua posição econômica por meio de habilidades profissionais ou empresariais. Na prática, a única maneira pela qual eles podem aumentar seus ganhos é trabalhando mais horas enquanto cumprem constantemente as medidas de desempenho da [plataforma]”.

Suprema Corte do Reino Unido – Decisão sobre Plataforma de Transporte Particular de Pessoas

Extensas Jornadas e Acidentes de Trabalho em Plataformas

No final de 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou uma abrangente pesquisa sobre o teletrabalho e o trabalho em plataformas digitais.

Dentre os diversos resultados apresentados, a pesquisa apontou que motoristas de plataformas digitais trabalhavam, em média, 17,1% horas a mais que os(as) motoristas que não utilizam essas tecnologias. Contudo, a remuneração dos motoristas plataformizados era apenas 1,7% superior à dos(as) trabalhadores(as) não plataformizados. Isso indica que a introdução dessas tecnologias representou um aumento nas horas trabalhadas, acompanhado de uma diminuição proporcional dos rendimentos dos(as) trabalhadores(as).

Uma disparidade ainda maior aparece na comparação entre entregadores(as) plataformizados(as) e não plataformizados(as).

O rendimento médio mensal dos(as) entregadores(as) por plataformas, em 2022, foi de R$ 1.784,00 para jornadas de trabalho em média de 47,6 horas por semana. Quando comparados aos(às) entregadores(as) não plataformizados(as), a diferença na jornada, em média, era de 4,8 horas trabalhadas a mais para entregadores(as) plataformizados(as), mas com um rendimento médio que correspondia a apenas 80,7% daqueles recebidos pelos(as) entregadores(as) não plataformizados(as).

A pesquisa do IBGE indicou ainda que os(as) trabalhadores(as) por plataformas digitais, em suas diversas modalidades, cumprem jornada de trabalho que ultrapassa as 44 horas semanais usuais em regimes de CLT.

Nos casos em que os(as) trabalhadores(as) são incorretamente classificados(as) como autônomos(as), além da jornada extrapolar o que está regulamentado, não há a remuneração de horas-extras, um direito historicamente conquistado.

É importante ressaltar, que o aumento da jornada pode ter um impacto ainda mais exacerbado sobre grupos historicamente oprimidos. Entre as mulheres, por exemplo, a ampliação das jornadas no trabalho em plataformas digitais soma-se ao trabalho da reprodução social, o que implica tempo ainda mais reduzido para descanso e lazer.

Entre setores marcadamente racializados, a exclusão histórica de trabalhadores(as) negros(as) pode ter continuidade no trabalho em plataformas digitais.

Pesquisa publicada no Boletim Çarê-IEPS n. 2/2023, intitulada Saúde da População Negra: Mortalidade e Acidentes de Motocicletas, indica que houve um aumento progressivo, a partir de 2016, do número total de acidentes de trânsito. Contudo, os dados apontam uma incidência maior de acidentes, internações e mortalidade de motociclistas negros. Isso estaria associado ao crescimento das plataformas digitais de entrega e a maior presença nelas de trabalhadores(as) negros(as).