Os Tribunais Europeus e o Vínculo Empregatício
Pesquisa aponta para tendência de tribunais europeus classificarem trabalhadores(as) de plataformas digitais como empregados(as) ou categoria similar
A Jurisprudência Sobre a Classificação dos(as) Trabalhadores(as) de Plataformas Digitais em Países Europeus
No final de 2021, a Comissão Europeia introduziu uma abrangente proposta de Diretiva para a regulamentação do trabalho em plataformas em seus 27 Estados-membros.
A iniciativa foi subsidiada por pesquisas de diversas áreas. No âmbito do direito, coube a Christina Hiessl, professora de Direito do Trabalho na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), a investigação sobre as decisões dos tribunais da região.
À época, a pesquisa de Hiessl analisou mais de 100 (cem) decisões judiciais e 15 (quinze) administrativas de países europeus e concluiu que havia uma tendência dos tribunais de rechaçarem a classificação que diversas plataformas faziam de seus(suas) trabalhadores(as) como autônomos(as), reconhecendo uma relação de emprego ou uma categoria similar.
A proposta de diretiva da Comissão Europeia preocupava-se com o elevado número de processos judiciais das plataformas digitais e apoiou-se na pesquisa de Hiessl para apontar a necessidade de evitar uma degradação da legislação do trabalho e das condições de trabalho.
Recentemente, após um longo processo de negociação, a diretiva da União Europeia foi aprovada, tornando-se a mais abrangente regulamentação do trabalho de plataformas.
Atualizada em fevereiro de 2024, a versão da pesquisa de Christina Hiessl, publicada em Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?, analisa mais de 800 decisões judiciais e administrativas, em 18 (dezoito) países europeus, sobre a questão do vínculo empregatício em trabalhos plataformizados diversos e na chamada economia gig e continua a apontar para uma tendência de reclassificação dos(as) trabalhadores(as) como empregados(as) das plataformas ou como uma categoria similar.
O que Hiessl indica é que, em 267 casos, os(as) trabalhadores(as) foram considerados empregados(as) das empresas de plataformas digitais, ao passo que, em 109 deles, foram classificados também como empregados(as), mas das empresas subcontratadas. Em um número menor, 88 casos, foram enquadrados(as) como autônomos(as), em 38 casos como trabalhadores(as) de categoria intermediária, ou seja, entre empregado(a) e autônomo(a), em 11(onze) casos como trabalhadores(as) de agência de trabalho temporário e em dois casos como empregados(as) dos clientes que utilizaram as plataformas.
Decisões de Tribunais Superiores na Europa
Na pesquisa de Hiessl, considerando apenas os casos estritamente relacionados às plataformas (excluindo, portanto, processos relacionados à economia gig, em geral), 8 (oito) países contam com decisões de tribunais superiores:
Espanha:
Nos tribunais de última instância, a Espanha apresenta a maior quantidade de decisões, sobretudo a partir do contundente posicionamento do Tribunal Supremo sobre uma empresa do setor de entregas de alimentos, em setembro de 2020. São 8 (oito) decisões reconhecendo o vínculo de emprego de trabalhadores(as) do setor de entregas de alimentos por plataformas. No transporte particular gerido por aplicativos, 2 (duas) decisões reconheceram motoristas como empregados(as) de empresa subcontratada. Em entregas de encomendas, cinco decisões indicaram trabalhadores(as) como empregados(as) de subcontratada ou como empregados(as) de agência de trabalho temporário e uma como empregado da plataforma (ver p. 106-118 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
França:
Na França, a Cour de Cassation reconheceu, em novembro de 2018, o vínculo de emprego no setor de entregas de alimentos que utiliza plataformas digitais; e, em março de 2020, emitiu um importante posicionamento, reconhecendo um motorista do setor de transporte particular por plataforma como empregado. Ainda que a questão não esteja pacificada no país, desde então, outras 2 (duas) decisões da Cour de Cassation reconheceram o vínculo empregatício no setor de entrega de alimentos e outras cinco decisões o fizeram no setor de transporte particular. Ademais, a Corte também se posicionou sobre 1 (um) trabalhador de uma plataforma que oferece serviços de cliente oculto, classificando-o como autônomo (ver p. 61-77 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Suíça:
O Tribunal Fédéral reconheceu, em maio de 2022, o vínculo de emprego em um caso sobre o setor de entrega de alimentos (2C_575/2020) e em outro sobre o setor de transporte particular plataformizado (2C_34/2021). Em 2023, outras quatro decisões do Tribunal Fédéral também reconheceram o vínculo no setor de transporte particular (9C_70/2022, 9C_76/2022, 9C_71/2022, 9C_75/2022) (ver p. 124-129 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Holanda:
A Hoge Raad, em 2023, emitiu duas decisões reconhecendo o vínculo empregatício no setor de entregas de alimentos (ECLI: NL: HR: 2023:443; ECLI:NL:HR:2023:1610) (ver p. 94-98 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Alemanha:
O Bundesarbeitsgericht, em janeiro de 2020, reconheceu uma trabalhadora de uma plataforma de serviços de cliente oculto como empregada (9 AZR 102/2020) (ver p. 77-80 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Itália:
Em janeiro de 2020, a Corte di Cassazione utilizou a categoria de “lavoro eteroorganizzato” [trabalho hetero-organizado] para atribuir um conjunto de direitos a(à) trabalhadores(as) do setor de entregas de alimentos (RG n. 11629/2019) (ver p. 87-91 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Reino Unido:
Em 2018, a Supreme Court utilizou a categoria intermediária workers para atribuir um conjunto de direitos a um grupo de motoristas do setor de transporte particular plataformizado ([2021] UKSC 5). Em 2023, por outro lado, classificou trabalhadores(as) do setor plataformizado de entregas de alimento como autônomos(as) ([2023] UKSC 43) (ver p. 131-138 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Hungria:
Na Hungria, em dezembro de 2023, a Kúria decidiu que entregadores(as) de uma plataforma de entrega de alimentos eram autônomos(as) (Mfv.VIII.10.091/2023/7) (ver p. 82-84 de Trabalho em Plataformas: Regulamentação ou Desregulamentação?).
Desse modo, das 39 decisões de tribunais superiores, 27 (vinte e sete) reconheceram o vínculo de emprego com as plataformas; em 7 (sete), os(as) trabalhadores(as) foram considerados(as) empregados(as) de terceiros (subcontratado(a) ou empregado(a) de agência de trabalho temporário); em 2 (duas) foram indicadas categorias intermediárias entre autônomos e empregados (worker e lavoro eteroorganizzato); e em 3 (três) decisões os(as) trabalhadores(as) de plataformas foram considerados(as) autônomos(as).