Direito à Organização Coletiva

Organizar-se coletivamente para defender os seus interesses é um dos principais direitos de verdade dos(as) trabalhadores(as).

Foto Rafael Vilela
Fotos Rafael Vilela

A Importância da Organização Coletiva

A relação de trabalho entre empresas e trabalhadores(as) é desigual. As empresas possuem poder econômico e detêm as principais informações sobre o negócio. Já os(as) trabalhadores(as), individualmente, dependem do emprego para receberem a sua remuneração, o que limita seu poder de negociação.

Desde o século XIX, trabalhadores(as) de todo o mundo se organizam coletivamente para ampliarem as suas vozes e fazerem frente às empresas em busca de melhores condições de trabalho.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, em seu artigo 23º, estabelece que “toda pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”.

No Brasil, a liberdade de associação sindical é livre e garantida pela Constituição Federal, em seu artigo 8º.

A organização coletiva dos(as) trabalhadores(as) é um direito de verdade, assim como a jornada de trabalho de oito horas diárias, o direito às férias remuneradas, as licenças – maternidade e paternidade –, a proteção contra dispensas arbitrárias, o auxílio-doença, o auxílio-acidente, o reembolso integral pelos custos com os instrumentos e insumos do trabalho, a aposentadoria dentre tantos outros.

Não menos importante, os sindicatos foram fundamentais na luta contra a discriminação de gênero, raça e outras formas de opressão no ambiente de trabalho.

Plataformas e Organização dos(as) Trabalhadores(as)

O modelo de negócio de muitas plataformas digitais pode impactar negativamente a organização coletiva e a reivindicação dos(as) trabalhadores(as), ao classificá-los(as) incorretamente como autônomos(as) – mesmo dirigindo e controlando suas atividades por meio da gestão algorítmica – e estimular a competição entre eles(as). As plataformas têm a possibilidade de fazer isso através de mecanismos como:

  • Estabelecimento de critérios não transparentes de como os serviços são distribuídos;
  • Remunerações diferentes para trabalhadores(as) que executam um mesmo serviço;
  • Criação de mecanismos de ranqueamento e punição dos(as) trabalhadores(as);
  • Controle do número de trabalhadores(as) atuando nas plataformas, o que faz com que elas tenham, sem muitos custos, uma grande força de trabalho à sua disposição; e
  • Estímulo de um discurso empreendedorista que contrasta com a realidade efetiva dos(as) trabalhadores(as);

Isso pode criar divisões e conflitos entre os(as) trabalhadores(as), entre aqueles(as) que supostamente sabem “trabalhar com o aplicativo” e aqueles(as) que não sabem; os(as) que supostamente aceitam quaisquer situações e remunerações e que, dessa forma, acabariam contribuindo para rebaixar as condições de trabalho.

As formas de organização dos(as) trabalhadores(as) podem ser enfraquecidas e, consequentemente, suas reivindicações também, se estiverem divididos(as), competindo ou em conflitos entre si.

Foto Rafael Vilela

“O sistema adotado pela plataforma [...] de criação de perfil do(a) entregador(a), com base nos dois parâmetros de confiabilidade e participação, ao tratar da mesma formaaqueles que não comparecem no turno agendado por motivos triviais e aqueles que não comparecem porque estão em greve (ou porque estão doentes, têm uma deficiência, ou assistem uma pessoa com deficiência ou uma criança doente etc.), na prática, discrimina estes últimos, possivelmente marginalizando-os em relação ao grupo prioritário e, portanto, reduzindo significativamente suas oportunidades futuras de acesso ao trabalho”.

Tribunal de Bolonha – Decisão sobre Plataforma de Entregas

Obstáculos à Organização Coletiva

Além desses modos em que a própria gestão algorítmica e o modelo de negócios de diversas plataformas digitais estimulam a divisão, a competição e o conflito, há relatos de outras formas mais diretas de intervenção nas organizações e reivindicações dos(as) trabalhadores(as).

Dentre elas, estão os bloqueios do acesso às plataformas de trabalhadores(as) que paralisaram suas atividades em busca de melhores condições de trabalho. Tais bloqueios podem ocorrer tanto pela via oficial, quanto através dos chamados “bloqueios brancos”, que diminuem o repasse de serviços a eles(as). Isso pode representar uma violação do artigo 9º da Constituição Federal brasileira, que assegura o direito à greve.

Por outro lado, há casos amplamente documentados de tentativas ainda mais incisivas das plataformas digitais de minar as organizações coletivas dos(as) trabalhadores(as), como:

  • Criação de supostas associações de trabalhadores(as) que defendem interesses próximos aos das plataformas;
  • Estabelecimento de leis que coíbem a organização coletiva; e
  • Contratação de empresas especializadas para organizar campanhas contra as reivindicações de trabalhadores(as), incluindo casos de infiltração entre eles(as), difamações e intimidações de lideranças, pesquisadores e autoridades públicas.

Isso, no entanto, não impediu a organização independente da classe. E, para tanto, as tecnologias também foram utilizadas, mas, nesse caso, para a articulação dos(as) trabalhadores(as). As redes sociais e os aplicativos de comunicação foram cruciais para o compartilhamento de reivindicações, de informações e a organização de paralisações.

Exemplos disso foram o Breque dos Apps, em 2020, no Brasil, e a articulação em diferentes países de trabalhadores(as) de plataformas digitais, que tiveram como resultado importante o avanço na organização da classe.

Do ponto de vista institucional, há também algumas importantes iniciativas de proteção à organização coletiva.

Na esfera jurídica, por exemplo, merece destaque a pioneira decisão italiana, em 2020, que apontou como as decisões automatizadas de uma plataforma digital de entregas resultavam efetivamente em práticas antissindicais, penalizando trabalhadores(as) que paralisavam suas atividades em reivindicação por melhores condições de trabalho.

Dentre as iniciativas legislativas, a Diretiva sobre o trabalho em plataformas digitais da União Europeia estabeleceu um conjunto de proteções às organizações e reivindicações dos(as) trabalhadores(as) das plataformas digitais, incluindo o acesso às informações e avaliações sobre a gestão algorítmica.