Custos dos Materiais de Trabalho

É dever do empregador arcar com os custos de instrumentos, ferramentas, insumos e equipamentos de proteção individual utilizados no trabalho.

Foto Rafael Vilela
Fotos Rafael Vilela

Os Custos Envolvidos no Trabalho

Os papeis desempenhados por trabalhadores(as) e empresários no desenvolvimento de uma atividade econômica são muito distintos.

Os(as) trabalhadores(as) dependem exclusivamente de sua remuneração para sobreviverem e, assim como não ficam com os lucros obtidos pela empresa e não decidem sobre seus investimentos, não devem ser responsabilizados pelos riscos econômicos envolvidos em um negócio.

Os custos do desempenho de uma atividade econômica devem ser arcados pelas empresas e não podem ser transferidos aos trabalhadores(as) e impactar, dessa forma, sua remuneração.

Por isso, as empresas devem garantir aos(às) trabalhadores(as) as condições para a realização segura de suas atividades, incluindo o fornecimento gratuito de Equipamentos de Proteção Individual.

Plataformas e Custos do Trabalho

Os modelos de negócios de diversas plataformas digitais transferem para os(as) próprios(as) trabalhadores(as) os custos de ferramentas, instrumentos e insumos necessários para o desempenho de uma determinada atividade econômica.

Nesses casos, as plataformas se eximem, em grande medida, das despesas com aquisição, administração, manutenção, depreciação, juros etc. dos bens relacionados ao trabalho. Isso se torna especialmente problemático, porque:

  • A despeito de arcarem com os gastos dos instrumentos de trabalho, os(as) trabalhadores(as) não têm a possibilidade de incluir essas despesas nos preços de seus serviços, uma vez que quem estabelece tais valores são as próprias plataformas;
  • Consequentemente, o aumento dos preços de insumos e materiais de trabalho poderá impactar mais fortemente a remuneração desse(a) trabalhador(a);
  • Os gastos com insumos e instrumentos nos momentos em que os(as) trabalhadores(as) estão à disposição das plataformas, mas não estão executando um serviço, não são remunerados (motoristas dirigindo sem passageiros, por exemplo); e
  • Os(as) trabalhadores(as) não têm à sua disposição os mesmos recursos das empresas para lidar com as despesas dos insumos e dos instrumentos de trabalho, tanto do ponto de vista de profissionais especializados na análise e na administração desses custos, quanto a capacidade de realizar compras em grande escala, o que reduz os preços dos instrumentos e dos insumos do trabalho.
Foto Rafael Vilela

“O autor da ação tinha apenas uma motocicleta e um telefone celular. Esses são meios acessórios ou complementares. A infraestrutura essencial para o exercício dessa atividade é o software desenvolvido pela [plataforma de entregas], que coloca os estabelecimentos comerciais em contato com os clientes finais. A plataforma em questão constitui um elemento essencial para a prestação do serviço. O autor não tinha uma infraestrutura própria significativa que lhe permitisse operar por conta própria”.

Tribunal Supremo Espanhol – Decisão sobre Plataforma de Entregas

Custos do Trabalho e Classificação Incorreta dos(as) Trabalhadores(as) pelas Plataformas

Dentro do modelo de negócios de muitas plataformas digitais, a propriedade dos(as) trabalhadores(as) sobre os instrumentos e ferramentas de trabalho e sua responsabilização pelos custos com insumos podem, muitas vezes, ser mobilizadas como argumentos de que eles seriam “trabalhadores(as) autônomos(as)”. Isso porque seriam, supostamente, “donos(as)” dos meios de produção, que eles(as) mesmos adquirem e administram, o que os(as) caracterizariam como microempreendedores(as) e não como trabalhadores(as).

Esse argumento é contestado por diversas pesquisas ao demonstrarem que, nos modelos de negócios de diversas plataformas, o meio de produção elementar é a própria plataforma – enquanto principal instrumento de gestão e controle da força de trabalho – e não os veículos e as ferramentas utilizados, por exemplo, por motoristas e entregadores(as). Não por menos, tribunais europeus, ao decidirem sobre a classificação dos(as) trabalhadores(as), têm considerado secundário o uso de carros, bicicletas, motos, telefones e computadores próprios, apontando, ao mesmo tempo, para a dimensão central de controle e direção exercidos pelas plataformas digitais.

Ademais, algumas plataformas digitais buscam incrementar seus ganhos através da comercialização de instrumentos de trabalho, que muitas vezes são personalizados com a marca das empresas, associando os(as) trabalhadores(as) a elas. As empresas comercializam mochilas, uniformes, equipamentos de proteção individual, mas também planos de celular, cartões de créditos, aluguéis de automóveis, bicicletas e motos etc. Outras tantas plataformas também usam seus produtos personalizados para premiarem os(as) trabalhadores(as) mais assíduos e, frequentemente, também promovem distribuições gratuitas desses itens, como no caso das mochilas dos(as) entregadores(as).

Desse modo, dirigidos(as), controlados(as) e associados(as) às marcas das plataformas, os(as) trabalhadores(as) não exercem uma atividade empresarial genuína, mas são, ainda assim, classificados(as) equivocadamente como autônomos(as).

Ao absorverem os custos da atividade econômica, sem poderem decidir efetivamente sobre a gestão do negócio, os(as) trabalhadores(as), nos piores casos, não têm apenas sua remuneração afetada e sim podem incorrer em endividamento.

FONTES

Marco Gonsales - De Mochila nas Costas: uma Experiência Etnográfica como Entregador por Aplicativo. Em Ricardo Antunes - Icebergs à Deriva: o Trabalho nas Plataformas Digitais, Editora Boitempo, 2023.


Vitor Filgueiras e Ricardo Antunes. Plataformas Digitais, Uberização do Trabalho e Regulação no Capitalismo Contemporâneo. Em Ricardo Antunes – Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0, Editora Boitempo, 2020.