Direito à Informação e Proteção Contra Decisões Arbitrárias
Ter acesso às informações sobre a organização de seu próprio trabalho é um direito de verdade, fundamental para que trabalhadores(as) possam fazer suas próprias escolhas e contestar decisões tomadas arbitrariamente.
Direito à Informação no Trabalho
Para a grande maioria das pessoas, o trabalho tem uma importância significativamente grande em suas vidas, seja por conta do tempo que elas passam trabalhando, da necessidade que elas têm de remuneração, do sentido que uma determinada atividade tem em suas vidas ou de outros fatores relevantes.
Por isso, poder tomar decisões informadas sobre aceitar ou não um trabalho, como melhor desempenhar suas atividades ou como se programar para o futuro é crucial para a vida de qualquer trabalhador(a).
Daí a importância de se ter acesso a um conjunto de informações em torno da forma como o trabalho é organizado: as remunerações, os riscos envolvidos no trabalho, os benefícios e os direitos, as informações sobre as melhores e mais seguras práticas no trabalho, as possibilidades de incremento de ganhos e promoções na carreira etc.
É importante que essas informações estejam disponíveis aos(às) trabalhadores(as), sejam de fácil acesso e comunicadas de maneira clara.
O acesso à informação é fundamental para que os(as) trabalhadores(as) possam contestar decisões arbitrárias ou aquilo que considerem inadequado na organização de seu trabalho.
Trabalho por Plataformas e Direito à Informação
A forma com que muitas plataformas digitais organizam o trabalho através da gestão algorítmica pode agravar questões relacionadas à falta de acesso dos(as) trabalhadores(as) às informações fundamentais acerca de sua própria atividade.
Os celulares utilizados nos momentos de trabalho têm a capacidade de captura em tempo real de uma multiplicidade de dados sobre as atividades desempenhadas.
Sem que seja claro ao(à) trabalhador(a) os modos como isso é feito, esses dados podem ser mobilizados para a construção de perfis sobre cada usuário que serão, por sua vez, utilizados nos diversos processos de decisões automatizadas das plataformas.
Nos setores mais conhecidos de transporte particular e de entregas por plataformas digitais, pesquisas indicam que não é inteiramente claro aos(às) trabalhadores(as):
- Como é feita a designação de um determinado serviço;
- Se a rejeição de serviços pode influenciar em ofertas futuras;
- Como são feitos os cálculos dos preços dos serviços;
- Como são determinados os preços em momentos de alta demanda;
- Quantos(as) trabalhadores(as) estão disponíveis em uma determinada região etc.
Esses são aspectos que determinam um componente fundamental da atividade de um(a) trabalhador(a): sua remuneração. Eles podem ser responsáveis por processos de discriminação salarial, isto é, remunerar diferentemente trabalhos iguais.
Ademais, dada a importância que a remuneração tem na vida dos(as) trabalhadores(as), ela pode ser mobilizada como elemento de controle, pressionando, por exemplo, trabalhadores(as) a permanecerem mais tempo trabalhando, e mais intensamente, o que pode impactar sua saúde física e mental e suas relações pessoais.
Os Estados-Membros exigem que as plataformas de trabalho digitais informem [...] todos os tipos de decisões apoiadas ou tomadas por sistemas automatizados de tomada de decisões, inclusive quando esses sistemas apoiam ou tomam decisões que não afetam as pessoas que trabalham nas plataformas de forma significativa.
Diretiva da União Europeia Relativa à Melhoria das Condições de Trabalho nas Plataformas Digitais
Transparência e Fiscalização da Gestão Algorítmica
A capacidade que as plataformas digitais têm de capturar dados e de implementar decisões automatizadas demanda a regulamentação da gestão algorítmica no sentido da proteção dos(as) trabalhadores(as) e no respaldo à atuação das autoridades públicas.
Em termos gerais, essa regulamentação deve estar orientada a partir de três dimensões:
- transparência,
- restrição,
- fiscalização das plataformas.
A Diretiva referente à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, recentemente aprovada na União Europeia, aponta para a possibilidade de uma regulamentação promissora nessa direção.
Em primeiro lugar, é preciso que os(as) trabalhadores(as) tenham acesso fácil, claro e detalhado ao modo como as plataformas digitais organizam a gestão algorítmica: informações sobre quais dados são capturados, em que momento o são, onde são armazenados, quais as finalidades das capturas desses dados, como eles são mobilizados para os processos de decisões automatizadas das plataformas entre outros.
Para além dessas medidas voltadas à transparência, é preciso também que a abrangência e o alcance da captura de dados e das decisões automatizadas das plataformas sejam limitados.
Por um lado, as plataformas não devem capturar dados fora dos períodos da jornada de trabalho, ou dados relacionados à opinião política ou à filiação sindical dos(as) trabalhadores(as), seu estado emocional, psicológico, de saúde etc. Por outro, as decisões automatizadas não podem incorrer em discriminações ou colocar em risco a segurança e a saúde dos(as) trabalhadores(as) e, principalmente no caso daquelas que afetam significativamente a vida deles(as), devem ser submetidas à revisão humana. Essa é uma questão crucial para aqueles(as) que trabalham nas plataformas, dadas as reclamações recorrentes de punições arbitrárias levadas a cabo por processos automatizados, que podem bloquear o perfil de um(a) trabalhador(a). E, sobretudo, nos processos de regulamentação e restrição das plataformas, é fundamental a consulta aos(às) próprios(as) trabalhadores(as) sobre o modo como elas são organizadas.
A transparência e a restrição da gestão algorítmica, no entanto, só podem ser garantidas se houver uma efetiva fiscalização interna das plataformas, por representantes dos(as) trabalhadores(as) e profissionais independentes e protegidos contra qualquer tipo de retaliação. Além disso, é preciso garantir que as autoridades públicas tenham amplo acesso aos dados e às formas de organização da gestão algorítmica do trabalho.
Em suma, os(as) trabalhadores(as) devem ter um direito pleno à informação, fornecido pelas próprias plataformas digitais, sobre como o trabalho é organizado e sobre como seus sistemas funcionam. As plataformas devem ser avaliadas e monitoradas de maneira a garantir a saúde e a segurança do(a) trabalhador(a) durante todo o processo de trabalho e coibir possíveis processos de discriminação e arbitrariedade das decisões automatizadas. Para tanto, é necessário também que, de maneira independente e com o respaldo dos representantes dos(as) trabalhadores(as), as plataformas sejam fiscalizadas, incluindo aí o fortalecimento da atuação das autoridades públicas.